terça-feira, 30 de outubro de 2018

Da ausência

Eu não consigo escrever... É tão louco. Eu durmo pensando nas palavras da vó, acordo lembrando dela. Ela sempre esteve presente no meu dia a dia. No pano de prato, na toalha de mesa, no conselho, no carinho... E tenho lembrado dela, das vivências que a gente teve morando junto. Das perguntas e frases inusitadas enquanto eu deitava na cama ao lado dela... E eu queria escrever. Mas não sai.
Está preso, entalado em algum lugar que não me permite concluir uma poesia. Que não consegue engolir a partida. E eu tenho medo de esquecer.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Sobre o direito de esperar

Sonhar é um direito pessoal e intransponível.

Em tempos de dor, percebi que algumas pessoas ao redor tentavam me fazer acreditar em algo que naquele momento me parecia impossível, aquilo me doía, porque não parecia verdadeiro, parecia não me permitir valorizar a dor do presente. Por outro lado, apareciam aquelas pessoas cheias de realidade e pessimismo que não me permitiam sonhar num futuro tranquilo. "As pessoas não nos permitem ter esperança", disse assertivamente a minha irmã.
E foi aí que, depois de aceitar a dor da realidade, entendi que a esperança é algo pessoal, que cabia a mim o direito de acreditar em um processo de cura, de alegria, de recuperação. Cabe a mim o meu direito de sonhar. E enquanto sonho com momentos melhores vou aprendendo com o que a dor pode me ensinar.

domingo, 23 de julho de 2017

A primeira vez - Primeiro ato

Comece do começo:
Prológo: https://andantedosventos.blogspot.com.br/2017/07/a-primeira-vez.html


PRIMEIRO ATO:

PLANEJAMENTOS


Era dezembro de 2014 quando decidi ir caminhando até Pirenópolis. Estava no Balaio (Salve Balaio!) com dois amigos especiais (Preussines e Maysoca) que tramavam uma pedalada pela Estrada Real.
Em cima daquela escada da Praça dos Prazeres tomei uma decisão que a princípio parecia apenas um sonho que jamais seria realizado... Existem tantos assim, né?! Mas determinei e convidei os dois... Acharam loucura, mas eu tava certa de que faria aquilo.

Tempos depois a Luênia, uma amiga que tinha feito a caminhada pelo (Re)vivendo êxodos, me disse... "Vai, mas vai com alguém... Você pode caminhar sozinha, é bom. Vocês podem não conversar enquanto caminham. Mas é sempre importante ter aquela pessoa pra pegar na sua mão e falar: 'Vamos! Você dá conta! Não desiste! Tamo junto!" Me lembro muito do olhar da Luênia enquanto me dizia isso e, até hoje, esse olhar e o toque dela na meu pulso ao dizer essas palavras, aparece na minha mente sempre que dá vontade de desistir.

Nos planejamentos fui falando com várias pessoas a respeito. Umas pessoas achavam a ideia o máximo, outras loucura... Até que um amigo, o Gabriel, topou ir comigo. E esse aceite foi fundamental pra me fazer ir de verdade! A gente determinou uma data e começamos a estudar o caminho, as comidas, as necessidades... Nem eu, nem ele havíamos feito algo parecido. Às vezes eu sentia que ele ia acabar desistindo, mas ele se firmava toda vez que eu questionava ele, e contava pra todos seus amigos sobre a empreitada que faríamos. Precisávamos ir num feriado, marcamos uma data e nos organizamos pra isso... Mas próximo a data chovia e achamos melhor adiar pro próximo feriado... No meio disso marcamos outra data, que era mais curta e também chovia... Até enfim marcarmos a saída pro dia 4 de junho de 2015, feriado de corpus christi. Era o último feriado do ano e eu sabia que era naquele dia ou não mais... Então me firmei em conseguir tudo pra isso.

Enquanto fazia os planejamentos, estudávamos a estrada, fazíamos prospecção de campo, analisávamos lugares pra hospedagem e tudo o mais... Eu seguia contando pras pessoas, amigas, conhecidas ou não, sobre o que faria e se tinham interesse em ir junto.

Publiquei um anúncio no facebook pedindo dicas do caminho e se alguém já tinha feito o percurso a pé. Um amigo indicou um amigo que logo se prontificou contando que já havia feito o caminho:
- Fiz! Sim!
- Iauuu! Que bom? A pé?
- Opa! Não! A pé não! A pé ninguém fez! Fui de bike.
- ah... ok :/

Nessas, o Cláudio Chinaski, sem nem me conhecer pessoalmente, me mandou um tracklog salvador e me disse como usar. Eu e Gabriel fizemos uma parte do percurso de carro pra verificar a estrada, se tinha sombra, água, kilometragem etc.

Combinamos com amigos (primeiro com o Lucas, depois com Maysa) que nos levariam pra Girassol às 4h da manhã e dariam apoio caso necessário.

Chamei amigos pra irem de bike e cruzarmos no caminho ou fazermos algum trecho juntos. Pessoas apareciam e sumiam na ideia doida de ir pra Piri a pé.

Comecei a fazer caminhadas em Brasília, pra treinar. Ia andando pra casa, depois do trabalho, ou ia andando pro trabalho... 8km em 1h. Era um bom ritmo...

Eu e Gabriel listamos as comidas, fomos atrás de mochila adequada, tênis etc...

Chegou a semana! Cintia, Marcelo e Taciana foram comigo comprar alguns itens pra viagem: castanhas no Ceasa, conforme indicação da Vico e barrinhas de cereal no Conic. A Clarinha amada passou a noite descascando e embalando cenourinhas pra mim e pro Gabriel. O Gab. foi comprar as mochilas e outros apetrechos, protetor solar, lanternas, repelente.

Organizamos tudo... Mas... Nem o Lucas, nem a Maysa estavam em Brasília na data e ficamos sem carona pra nos levar pra Girassol. Eita! E agora... começa a vir aquela tensão de "será que vai dar tudo certo?!" Começamos a ligar pra todos os amigos, quem poderia nos levar pra Girassol às 4h da manhã? Ninguém podia, ninguém topava... aí aí aí... E agora? ônibus, só às 7h da manhã... Mas e aí... A gente tinha planejado começar a caminhar às 6h... Será que vai dar tempo, será que vamos ficar muito tempo no sol? Aí aí aí... como será? Será que algum amigo nos leva na rodoviária? Não? Putz e agora? Gabriel passou na minha casa e fomos correndo pra rodoviária... Chegamos em cima da hora... Gabriel me deu um abraço e eu logo senti que ele não iria junto. Mas ele não disse, ainda queria ir. Corremos pra comprar a passagem, fila enorme! Gabriel foi segurar o ônibus e eu tentar comprar a passagem. Acabou! Agora só pro ônibus das 9h. Putz!!! E agora???

Decidimos pegar o ônibus das 9h e descer no meio do caminho entre Girassol e Edilândia. O importante era começar naquele dia. Compramos as passagens e fomos tomar um café enquanto dava a hora. Lembrei que estava sem boné e enquanto fui atrás de um o Gabriel recebeu uma ligação.

"Ferr, eu não vou mais..."

(continua...)

quinta-feira, 6 de julho de 2017

A primeira vez.


PROLÓGO

Foi assim... 
Eu conheci a serra da Capivara em 2009 (ou 10), aquele lugar me impressionou de uma forma incrível. Mas o que mais ficou na minha mente foram as caminhadas, foi pensar na vida dos nômades, essas pessoas que carregam suas vidas nas costas e criam novas vidas a cada novo lugar que pousam. De caverna em caverna que passávamos, diante daquela imensidão eu pensava em como era a vida daqueles caminhantes. Fiquei pensando nas travessias, em com seus pés chegar em um novo lugar.


Foi assim... 
Eu via meus amigos atravessando paisagens com o pedal aos seus pés. Acompanhei viagens, relatos da parceria linda das pessoas com esse meio de transporte belo que os levava a conhecer o mundo. Eu tinha vontade de fazer o mesmo, mas eu não me sentia (não sinto) com habilidade para pedalar até uma esquina próxima, temo os carros, as barbeiragens (minhas e dos outros) e meu corpo sente que não aguenta o esforço, como se fosse algo descomunal.

Foi assim... 
Eu lembro sempre de minha adolescência em que ia de um lugar a outro levada pelos meus pés. O ônibus demorava tanto pra chegar que eu preferia ir andando até a outra parada pra economizar tempo, e até a outra e até a outra... E economizando tempo economizava dinheiro... Então achava mais fácil caminhar... E caminhava numa boa, com minhas pernas pequenas mais rápido que muitos pernalongas amigos.


Foi assim...
Um dia tava em casa de boas e eis que aparece uma imagem deslumbrante na minha timeline, meu vizinho havia ido jantar na minha casa e eu mostrei pra ele a imagem. Ficamos intrigados, descobrimos o nome do local, ficamos encantados e ele sem titubear lança sua promessa. "Se eu passar no concurso no primeiro salário te levo pra conhecer esse lugar!". Vamos atrás de detalhes, descobrimos que pra chegar lá são necessários 13 dias caminhando no mato... Vários dias de caminhada, caminhada, caminhada... Aí como sou sedentária, preciso treinar!


Foi assim... 
Eu conheci um projeto incrível chamado Re(vi)vendo Êxodos, criado por um professor de história do setor leste e seus alunos "malucos", decidiram caminhar, caminhar, caminhar... Comecei a ver os vídeos e saber histórias do projeto. Soube que foram caminhando até Pirenópolis, desde Brasília... E aí pá!! Travessia, caminhada, chegar a outro lugar pelos seus pés.

O PLIM!
Eis que um dia, ouvindo meus amigos falarem sobre uma pedalada escuto um PLIM! na minha cabeça. Eu não posso acompanhá-los, não me sinto apta a sentar em uma bike e simplesmente ir, mas eu caminho bem, caminho tranquila e preciso treinar essa caminhada, afinal logo vem aí uma viagem de vários dias. Pirenópolis. Eu vou caminhando até lá!!! Será essa minha primeira travessia, será meu treino, eu vou conseguir!!

(continua...)

IR

De modo geral eu sempre deixava minhas viagens e passeios curtos e próximos pro momento que rolasse... Mas de fato era difícil rolar... Claro que planejei e fui atrás de umas e outras... Mas quando comecei na lógica trabalho-arrumações-trabalho, pós faculdade ou talvez ainda na faculdade, eu só ia pra uma cachoeira quando fosse uma oportunidade normalmente cavada por algum amigo... E muitas muitas muitas vezes me chamaram pra ir ali no urubu, no tororó, no poço azul e eu neguei, porque tava ocupada, porque tinha que arrumar algo, porque tinha que fazer uma faxina...
E assim quase nunca ia pra chapada dos veadeiros, quase nunca ia pra pirenopólis e lugares das redondezas. Me dei conta que eu planejava viagens longe, que eu podia programar datas, mas raramente algo aqui na vizinhança.
Ano passado um namoro me levou 2 vezes pra chapada dos veadeiros, conheci a morada do sol e a cachoeira do segredo e depois a catarata dos couros. E planejei a viagem da janela, velho desejo meu. O namoro acabou e o desejo do planejado seguiu firme.. Vou fazer, tentei achar amigos, conhecidos ou qualquer um que topasse a parada comigo... Não achei... e adiei uma vez, duas vezes... E nesse meio amigos me levaram pra chapada: Cavalcante e Sertão Zen. Fui dirigindo e senti que fui retomando as rédeas da vida, como se cada vez que eu guiasse pra lá eu me empoderasse nessa direção. E foi assim que decidi ir sozinha fazer a janela. E foi uma experiência extremamente forte e marcante.
E daí decidi ir novamente, e percebi que tava conhecendo o lugar e dando dicas da chapada, dicas boas mesmo... E entendi que aquele espaço também era meu e que eu poderia ir quando quisesse...

Eu ainda me enrolo nas minhas arrumações-trabalho-arrumações e deixo de fazer coisas porque preciso arrumar algo... Mas também entendi que preciso ir e fazer as coisas no meu tempo. Não preciso esperar convite para que outros me levem. Posso ir, posso ir só ou posso ir com outras pessoas. Simplesmente posso ir. E vou!

domingo, 2 de julho de 2017

Ter pés e caminhar.

No primeiro semestre da 4ª série reprovei em Educação Física. Aquele primeiro 4,00 numa disciplina que "ninguém reprova". Reprovei em Educação Física, com 10 anos de idade. Decepção pra minha vó, "a fundadora da escola de educação física da UFRGS". (Nem sei se de fato ela se importou ou não, mas na minha cabeça ficou a lógica de que havia cometido o grande crime de levar tristeza a minha vó).
Minha mãe foi conversar com a professora que logo disse que a nota se justificava porque eu "não tinha coordenação motora". Ninguém conseguiu falar nada pra professora... Ficamos caladas, eu e minha mãe... Tempos depois pensei sobre a relação de NÃO TER coordenação motora e reprovar na matéria e sobre didática, ensino etc...


Minha mãe decidiu trocar de escola... Não pela reprovação em si, mas pela forma como tudo foi conduzido... Se eu não tinha coordenação motora, não era pra professora me ajudar a desenvolver isso, ao invés de simplesmente reprovar?

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Alguns meses depois, voltando pra casa, depois de um domingo de muita brincadeira na casa da minha melhor amiga, ao entrar no portão de casa, sinto uma fisgada intensa no pé. Tento colocar o pé no chão e caminhar, mas sinto muita dor, quase de dar tontura, entrei em casa andando que nem saci. Expliquei pra minha mãe onde doía, não sei se ela acreditou muito ou não, mas disse que se não melhorasse no dia seguinte me levaria ao médico. Manhã seguinte, lá vamos nós... O ortopedista da família atendia de tarde, eu estudava de tarde e minha mãe trabalhava de tarde... A solução foi irmos ao ortopedista que atendia pela manhã. Ele examinou o pé, disse que era um problema no calcanhar, colocou uma tala e disse pra minha mãe que deveríamos alugar um par de muletas. Ficaria assim por 10 dias e voltaria lá pra ele avaliar.
10 dias depois volto ao consultório, tiro a tala, coloco o pé no chão e "vejo estrelas", uma dor tão intensa que lembro até hoje dela. Ele tira um raio-X do calcanhar, tira do tendão, diz que é um problema no tendão e me deixa mais 10 dias de tala e muleta. No retorno, minha mãe resolveu que deveríamos ir ao Dr. Murilo. Ele tira a tala, mexe no meu pé, faz um raio-X, faz outro... Analisa os exames anteriores que não tinham nada de errado e explica que minha ossada tá toda no lugar, aparentemente meu pé não tinha nada... Ensina uma massagem com sal grosso, água morna e garfo que minha vó passou a fazer diariamente e pede que eu siga tentando caminhar. Sigo de muleta, mas dessa vez sem tala. 


Lá pelas tantas, uma colega de trabalho da minha mãe diz pra ela que tem um acupunturista que vem de goiania de tempos e tempos e pode me atender... Minha mãe meio incrédula pergunta ao Dr. Murilo o que ele acha... Ele, sem titubear, afirma que ele não tem o que fazer, meu pé não tem nada e minha dor é real, melhor tentar algo novo... Na época ninguém nem falava sobre esse tratamento... Aparentemente o tal médico de Goiânia era o único que atendia na cidade... Pense! Pois bem, segui com as massagens noturnas feitas pela minha vó, comecei a fazer o tratamento com acupuntura, de tempos em tempos voltava pro dr. Murilo me avaliar e assim foram 3 meses sem colocar o pé no chão, sem conseguir caminhar, sentindo muita dor ao colocar o pé no chão. 
No lembro bem quando foi que tirei a muleta de vez, lembro que no dia da minha primeira comunhão amanheci e consegui caminhar!!! "Foi um milagre!", todos disseram... Entrei caminhando na igreja e emocionei todo mundo que tava lá... Passei o dia caminhando devagar, à noite, meu pé latejava, aquela pisada de ver estrelas apareceu e assim fiquei mais alguns meses de muleta... Até um dia que a abandonei de vez.


Depois desses três meses, minha perna direita era fina como um palito, a esquerda grossa, totalmente desproporcional... Voltei a caminhar... 

No verão seguinte fui viajar com a família nas férias, fomos pra um apartamento de praia, que ficava no sétimo andar... Logo nos primeiros dias, numa brincadeira pelo prédio fiquei presa no elevador... Resultado, passei as férias inteiras com medo de elevador, subindo e descendo 7 andares de escada toda vez que chegava ou saia do apartamento em que estávamos... Aquela menina que até dois meses antes não conseguia nem caminhar subia, descia escadas e engrossava suas batatinhas... 


Até hoje ninguém sabe a causa da dor que eu sentia, nem o que curou tudo... 
O ortopedista nunca encontrou nada, mas na época não existiam os exames que existem hoje. 


O acupunturista explicava que eu tinha algum problema nos ovários e que isso por alguma enervação provocava a tal dor... 
Muitos anos depois em uma consulta com uma fisioterapeuta, por outros motivos, contei que tinha uma dor no pé, vez ou outra... Ela mexeu no meu pé, tocou nuns ossinhos, deu um estalo e a dor sumiu... Explicou que, em função da hipermobilidade que tenho e da forma como fico em pé, os tendões podem sair do lugar e meu pé fica pressionando... Então, na época, podia ser isso aí...
Mas ano passado pensando em tudo isso associei a algum fator psicológico em relação a reprovação da educação física... Me lembro muito da dor, então sei que eu não inventava nada, mas vai entender como o corpo reage a certas coisas...


Como curou também ninguém sabe, minha vó garante que foram as massagens dela, outros garantem que foram orações, outros dizem que foi a acupuntura, eu acho que foi tudo isso um pouco junto e misturado com todo o amor que recebi de todo mundo a minha volta, inclusive dos meus colegas e professores da escola nova, que mal me conheciam e super acolheram aquela menina tímida que de repente começou a andar de muleta.

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Ainda adolescente descobri a caminhada. Com o "excelente" sistema de transporte coletivo de Brasília, eu acabava optando por fazer tudo a pé, ao invés de esperar o ônibus e ficar mais um tempão parada em engarrafamento... Fazia tudo caminhando nas asas do plano... De lá pra cá, cá pra lá...
Eu gostava de pedalar também, não tanto como de caminhar, e sempre a passeio, nunca como meio de transporte... Mas ia feliz da 3 do lago norte pra 14 visitar meu padrinho de bike, patins ou a pé... Com isso as batatinhas foram ganhando forma e dizendo a que serviriam.
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Muitos anos depois, já na faculdade, no meio de uma aula senti novamente aquela dor absurda no pé, fui no melhor ortopedista de porto alegre, o cara analisou e me indicou o colega dele, especialista em pés, fiz raio-X, ecografia, cintilografia, ressonância magnética e mais uma porrada de exame que não existia 15 anos antes. Nos exames não aparecia nada... e eu sentia aquela maldita dor... Depois de algumas tentativas sem sucesso com alguns medicamentos, ele me receitou uma injeção qualquer. Se depois de dez dias voltasse a doer o pé eu deveria voltar no médico...
A dor passou e voltei a fazer as aulas... no décimo dia após a injeção eu estava no meio de um workshop do Lume, era tipo o terceiro dia de aula com muita exaustão e pula, agacha, corre, lança... De repente meu pé começou a latejar intensamente, a dor voltara, cada vez que eu colocava o pé direito no chão percebia que tinha acabado o efeito da injeção... Eu sabia que a dor não era pelo exercício e nem cansaço, mas decidi enfrentar aquilo, as aulas anteriores tinham sido incríveis, eu não queria desistir... Resolvi enfrentar a dor e me acostumar com ela... Acabou a aula, eu segui com a dor no pé, mas não voltei no médico... com o tempo esqueci dela, vez ou outra ela vinha com mais força e me fazia lembrar dela, não era mais a mesma dor absurda do início, e nem a dor que eu sentia na infância, mas tinham aquelas alfinetadas no pé como se alguém rasgasse a sola, como se meu pé não coubesse em si mesmo e precisasse rasgar a pele pra ganhar seu tamanho real.. Segui a vida como se aquilo fosse normal, caminhando e fazendo as aulas de corpo, interpretação e tudo mais que uma faculdade de teatro pode oferecer....

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Ainda na faculdade de teatro, uns dois anos depois desse episódio eu estou fazendo uma oficina de acrobacia, a professora nos ensina a "avestruz". Eu decido ficar de base, o rapaz que deitaria em minhas costas pesava mais de 80kg. Possicionamos ele de forma errada nas minhas costas, o peso não distribuiu pelo corpo e acabou pressionando a lombar. Senti que tava errado, mas demorei a reclamar, porque o menino tava plantando bananeira com a cabeça no meio das pernas de outra pessoa e deitando o corpo sobre minhas costas, eu não podia cair, nem ele. Quando tiramos ele de cima eu estava paralizada, era muita muita dor nas costas, a professora passou algum remédio, me indicou uma fisioterapeuta e eu sai de lá andando, mas com muita dor.

Descobri que eu tinha a lombar retificada e que isso estava gerando uma hernificação na L3/L4. A acrobacia só acelerou um processo que viria em outro momento se eu não tratasse logo. Meses de fisioterapia, cinta e exercícios para poder voltar a minha vida normal sem me queixar... Foi nesse processo que falei sobre a dor no meu pé e a fisioterapeuta colocou "os trem" no lugar.

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Todas essas pequenas histórias são para falar sobre caminhar... Eu via meus amigos fazendo travessias de bike, e me sentia incapaz de acompanhá-los... Mas um dia lembrei das minhas caminhadas pelas asas de Brasília e isso mexeu em mim... Senti que aquilo eu poderia fazer!


Eis que fui caminhando pra Pirenopolis... Minha primeira longa caminhada. Eu já havia feito trilhas, já tinha viajado sozinha... Já tinha caminhado...

Mas ir de uma cidade a outra caminhando, passar um dia inteiro caminhando com a mochila nas costas, jamais.

Caminhar me fez descobrir um tanto de mim. Toda vez que concluo uma travessia, curta ou pequena, me sinto realizada, sinto que consegui algo meu, sinto que o mundo pode andar sob meus pés, sinto que meus pés podem pisar firme em qualquer terra... 


Quando conto das minhas caminhadas algumas pessoas me perguntam se eu preciso pagar promessa ou algo do tipo... Não, não caminho pra me punir, caminho pra me descobrir. 
Nunca depois de concluir algum trabalho me senti tão realizada e poderosa como me sinto após fechar uma caminhada. 


Às vezes quando começo uma trilha, naqueles momentos iniciais de cansaço e peso nas costas, eu penso "pra que isso? porque gosto disso?" E sempre quando volto pra cidade tenho a certeza de que ainda preciso caminhar e caminhar muito e sempre.

Minha primeira viagem sozinha, fui em um final de semana pra Veneza, Vicenza, Padova, Verona e Milão... Cinco cidades em dois dias... Hoje prefiro ficar dois dias caminhando em um lugar qualquer do que correr tanto. Viajo pra dentro, me descubro pra dali olhar pra fora...


Eu não corro, não sinto que consigo correr, não pedalo, tenho muita dificuldade com a pedalada, não malho no dia a dia.. Tenho pés e caminho.

Aquela menina da muleta hoje só pensa em desbravar o mundo pisando firme um pé após o outro. Sentindo firme cada pisada na terra, sentindo firme o corpo que carrega. 


Superação! Superar-se, descobrir-se a cada nova caminhada!

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Mudando ventos da caminhada.

Comecei a escrever esse blog com intuito de colocar na nuvem algumas das minhas poesias, numa época que eu tava gostando de escrever, mas não confiava tanto assim do que escrevia. Criei o blog pra ver como seria deixar as palavras voarem e como me sentiria sobre isso. Nunca divulguei. Mostrei pra um ou outro amigo e só. Durante um tempo eu alimentei as páginas dessa história. Depois logo abandonei... Parei de tentar poetizar e esqueci da existência desse espaço.

Tempos desses comecei a pensar em escrever sobre minhas caminhadas e viagens, paixão antiga que parece nova pelos atuais acontecimentos. Lembrei desse espaço e principalmente do nome de batismo dele. Um nome que nunca entendi muito bem como foi criado, foi quase como se o google tivesse me batizado, nome que cada dia que passa sinto mais eu.

Andante dos Ventos. O nome é de uma época em que eu amava viajar, mas ainda não sabia o que era caminhar. Hoje caminho, disso me alimento e por isso resolvi que aqui seria o local de escrever esses momentos.

Eu não tenho prática de escrever sobre minhas viagens, sempre tento, mas no fim acabo investindo mais em curtir a viagem e o escrever vai ficando pra depois e depois e depois e nunca sai da mente pro papel.
Amo fotografar e tenho curtido compartilhar imagens dos ventos que me levam. Eis que decidi juntar as duas coisas... Vamos ver pra que lado esses ventos vão, espero apenas que não fiquem parados...

Mudando os ventos da caminhada para andar sobre outros ventos.